desenho @_hellojuli |
não cabe poesia na rotina, na correria, na olheira, na insônia, na notificação do celular que insiste em tocar depois da meia noite, nas almas cansadas, perturbadas, não cabe poesia na tristeza
transborda
dá vontade de rasgar as coisas, sair da linha, gritar sem rima só pra dizer qualquer coisa que não seja lógica, racionalidade, pensamento, qualquer coisa que venha de dentro, do meio e fundo da entranha, cansa demais ser pele e roupa, o líquido quente e espesso por dentro corre, quer sair pelos olhos, pela boca, desentalar das veias, das correias
o exagero é essa insistência em existir, contida
é essa grosseria presa pelas máscaras
corpo, suor e sangue tem gosto de sal e ferro, gosto de muco
indefinida saliva produzida pelo estômago acelerado, queima a boca, entala a garganta, desliza pela língua
quando não sai palavra, se consome em gesto
pega as coisas pela carne, nesse desejo ambíguo de amar e comer o outro
não cabe amor na rotina
tem que roubar da ordem e do tempo, virar do avesso, enfiar os pés pelas mãos
tem que insistir naquele sonho surrealista de ser mar e pisar na areia pra fugir por um triz da correnteza, do vazio