27.9.14

a instabilidade de todas as coisas




você ultrapassa todos os limites do exagero
e me faz perder o sentido
do que é real
de quem é você
e de quem sou eu

me confundo com as mensagens
me contradigo
me perco
numa lista infinita de desejos
e em poucos minutos de contato

o sonho é tão grande
é maior que eu!
e inevitavelmente vou me sentindo pouca

me sinto como a espectadora
dos meus filmes favoritos
sentada na primeira fileira
quase tocando cada cena
que passa, passa e passa rente...
dos olhos, das sensações, de mim

...

e vou seguindo
me colocando inteira
chegando aos pedaços
me perdendo nas contradições
do querer e do pertencer

me vejo solta na falta de medida
ora de amor
ora de dúvida
queria não me sentir coisa
objeto distante
sou a alma e a carne feita das necessidades mais comuns
amor, cuidado, desejo

e as vezes volto a me sentir
só como aquela menina
que perdeu seu chão e seu amparo
nos devaneios da vida
e só precisa ser acolhida num abraço
e encostar o rosto num ombro seguro

que inevitavelmente sofre
porque se depara com a instabilidade de todas as coisas



20.9.14

116 dias!


Assembleia 116º dia


nos desacostumamos a sonhar e no começo achamos estranho, mas existem pessoas que passam suas vidas, dias e noites vivendo lutas e experimentando pequenas revoluções, digo pequenas porque esses camaradas sonham grande, muito grande e não vão parar.

por isso mesmo, essas pequenas revoluções causam gigantes transformações nas vidas das pessoas que cruzam seus caminhos!

transformações que nos tiram de uma realidade de exploração e olhos fechados, de uma rotina que macera nossos corpos e nossa vontade de transformar nossas vidas, e toda vida a nossa volta.

essas companheiras e companheiros ignoram qualquer lógica que queiram nos impor e lançam suas forças corajosos, destemidos e incansáveis, nos puxando com a verdade de suas crenças em um mundo mais justo. quando esse fenômeno encontra reflexo no anseio e nos corações de mais e mais pessoas, coisas incríveis acontecem.

uma greve vitoriosa de 116 dias! uma grande batalha vencida, mais um passo no caminhar de um grande sonho, uma vitória política e social, na qual incontáveis pessoas experimentaram a força que possuem em suas existências, acreditando que unidos somos uma classe de trabalhadoras e trabalhadores que podem determinar seus destinos e o futuro de seus filhos.

frente a toda intransigência e falta de respeito nos mantivemos em pé e chegamos até o último dia dessa batalha, com corpos cansados e machucados sim, mas com um orgulho e uma alegria por estar ombro a ombro com tantas companheiras e companheiros valiosos, que fazem transbordar nossos corações e nossa vontade de continuar acreditando que esses sonhos são possíveis.

só posso agradecer por ter a chance de viver esse momento histórico e transformador. e agradecer por ter ao meu lado companheiras e companheiros tão fortes e corajosos!!

é impossível nominar todos, mas faço questão de falar de alguns aqui, eles representam todos os outros.

Amanda, uma amiga que partilhou comigo todos, todos os momentos, desde os medos, dúvidas e incertezas, até as alegrias, superações e grandes surpresas de enxergar que nossos sonhos mais pessoais se entrelaçam com essa história de lutas.

Andrea, ou melhor companheira Guerra, e companheiros Michel, Gustavo e Daniel, amigos nos momentos difíceis e alegres, grandes fortes em todas as passeatas, assembleias e atos, companheiros animados nos momentos de pequenos intervalos que garantiram a alegria e a força para continuar.

Binho, Paulão, Malu, Zé Mario, Décio, Edgar, Ilka, Aninha, Alexandre, Caixa, Ezequiel, Da Zona, Nigéria, Miriam, Luiz, Tadeu, Rildo, Gedeon, Dona Lucia, Elena, Xôxo, Tonho, Fernanda, Adilson, Everaldo, entre tantos, mas tantos mesmo, fortes e bravos companheiros de Prefeitura, que me ensinam tanto desde o meu primeiro dia na USP, e que só por causa deles também, pude construir o caminho para participar dessa grande luta.

Brandão, Diana, Pablito, Gilga, Cleber, Neli, Magno, Bruno Coturri, Solange, Dini, Patrícia, Giovanna, João, Alexandre, André, Babi, Marcelo, Felipe, Luiz, Reinaldo, em nome de tantos outros companheiros, que pude conhecer melhor dentro do SINTUSP - Sindicato dos Trabalhadores da USP, nas reuniões do comando de greve e nas assembleias, onde pessoas de diferentes correntes políticas e independentes se respeitaram a todo momento, dando o justo e verdadeiro espaço para que representantes de todas as Unidades da USP, participassem e levassem a posição se suas reuniões de base, garantindo a enorme força e legitimidade da greve entre todos os trabalhadores.

pessoal dos Movimentos Nossa Classe, Pão e Rosas, Juventude às Ruas, Ler-qi, Metroviários pela Base, Negação da NegaçãoTerritório Livre e Coro de Carcarás, que estiveram presentes todos os dias participando de uma mesma luta, ampliando o debate político e a força do movimento conjunto. Mostrando que é com presença e força nas atividades de todos os dias que se faz uma luta. Nos acampamentos, piquetes, rondas, passeatas, trancaços, cantinho das crianças, debates, seminários, atos, nas vozes e tambores.

é, é uma tarefa realmente impossível falar de todos!!


14.9.14

sentir




vou tentando me concentrar

o tempo traiçoeiro
continua me puxando

guardo escolhas
são poucas as que tenho nas mãos

aquieto meus enganos
deixando para os sonhos os impulsos imediatos

enquanto isso vou seguindo
meio atordoada

ouvindo músicas novas
misturando conversas com poemas

confundindo coisas
esquecendo os emaranhados que criei

desacreditando certezas vindas do medo
e verdades amplificadas da idealização

ainda enredada nas cenas e trilhas
tão encantadoras

lembrando como é
sentir



11.9.14

mulher-rotina


desenho da Ju

quando a confusão se instala
se espalha
dentro, em volta, numa conversa despretensiosa
na tentativa de retomar o ponto de partida

dispara o ponteiro do relógio
arrasta as horas
inverte o dia pela noite
tira o sono
dorme

a confusão vai seguindo misturada
as vezes pesa mais
as vezes vira piada

mentira ligeira
filho, amor, casa, greve, conversa com a diretora
professora, filho, casa
mercado, feira
contas vencidas
poesia, dia
assembleia, passeata
noite, beijo, greve, casa, filho, encontro
corte de ponto
ameaça
ato
pizza, sol, abraço
lava, limpa, guarda
meia suja, chulé
conversa jogada fora
conversa séria
medo, casa, amor, filho
vontade de não fazer nada
vontade de fazer tudo
leva e trás
o ônibus que não passa
semana de provas
dentista
informação
propaganda eleitoral
contradição
a conta de luz dobrou
toda noite falta água
reposição de horas
verdade atropelada
janta atrasada
beijo e abraço de boa noite
encontro
sono
filho
coragem
vontade
cansaço

tudo parece demais

volta,
volta tudo
e recomeça


ps. essa poesia aí de cima tem um tom meio leve, quase de brincadeira, pra mostrar um pouco da minha rotina, tem coisa boa e tem coisa difícil, as vezes é melhor, as vezes dá vontade de fugir, não ter vergonha de assumir isso é parte de um processo importante de reconhecer que nem tudo é tão natural e cor de rosa assim, como nos sonhos de menina que nos querem vender desde tão cedo.

e no encontro com tantas mulheres batalhadoras vai ficando cada vez mais claro o quanto o peso de uma rotina é planejado, o quanto é culturalmente construído e conveniente. são muitas, muitas horas e pensamentos tomados.

aí começa essa conversa de natureza masculina, feminina ou maternal, de que todos tem sua chance e cada um é responsável por seu sucesso, romantismo, religião, família (qual família?), necessidade (de/para quem?) e tantas outras verdades tão convenientes.

quando paramos pra pensar em mulheres com realidades mais duras, com trabalhos ainda mais precários, muitas vezes não se trata mais só de filho em casa sozinho, o que já é angustiante pra uma mãe, é o peso de uma sociedade exploradora caindo em suas costas de todos os jeitos,  é filho sem professor na escola, quando não perseguido e assassinado por policial. tento imaginar o peso da rotina para essas mulheres, é desesperador. não dá pra achar normal.



10.9.14

alguns dias


Liniers_torcido

alguns dias são bons, outros ruins, não gosto de escrever sobre os ruins, mas desde criança foi esse o jeito que aprendi a separá-los de mim, de continuar inteira.

nesses dias mais difíceis sinto uma saudade que vem lá das entranhas, talvez o nome mais correto seja desamparo. é uma sensação de solidão, de abandono, como se estivesse tão solta de tudo, que perdesse meus pais, irmãs, filho e amigos. como se ficasse tão estranha, que não pudesse ser reconhecida, sentida ou vista. me torno invisível.

me torno um fantasma de mim, um espectro de pessoa e dos sonhos que carrego. me torno um corpo pesado que só pode transbordar lágrimas, pesares e tristeza. é um mergulho tão agudo que eu mesma não reconheço o reflexo, me sinto dissolvida nas horas, nos segundos, nas medidas concretas e lógicas que não fazem sentido algum.

me deixo perder por algum tempo, não tenho a menor força para segurar o desmantelamento de cada parte, de cada pensamento, de cada movimento. a dor das lágrimas retidas na garganta é pior. o peso dos olhos úmidos, da tez contraída e da cabeça latejando me prendem e me arrastam, como nos passos certos para um rio profundamente escuro, pardo, bravo.

já estive nesse lugar algumas vezes, já me demorei a sair.

faz um bom tempo tomei em minhas escolhas o caminho dessas sensações. as recaídas são doloridas, são sim. mas tenho a certeza de que são passageiras, são.

passar por cada uma, sentir cada coisa tão forte, de um jeito corajoso e maluco, é me tornar mais forte. é também não perder a capacidade de ter empatia, de olhar a beirada do penhasco, lado a lado, com tantos outros. nunca, nunca vou esquecer, angústia, mesmo essa angústia toda da mais dolorida, nunca vai deixar de ser bom sinal.

sinal de que sou humana, de que posso sentir e arriscar, sinal de que estou aberta, suscetível e entregue. que estou viva.


7.9.14

aqui se respira luta




não podemos comprar o vento não podemos comprar o sol não podemos comprar a chuva não podemos comprar o calor não podemos comprar as nuvens não podemos comprar as cores não podemos comprar nossas alegrias não podemos vender nossas dores são tantas pessoas, verdades, intenções já não somos os mesmos não podemos caminhar de olhos fechados as dores ecoam nos olhos e vozes na terra seca no asfalto queimado na vida pouca as lágrimas umedecem a rachadura livram os caminhos nos unem a alegria encontra espaço nas margens
no povo na revolução os corações ansiosos brincam de fazer poesia firmam suas vontades trocando palavras e sonhos de repente todas as vozes se fundem os gritos dos jovens de trabalhadoras e trabalhadores mesmo os desabafos dos incrédulos toda linguagem se presta se desdobra buscando mostrar que ainda estamos vivos e não estamos dispostos a nos entregar estamos em todos os lugares passamos raspando por seus fuzis e de alguma forma tomamos nosso espaço todo esforço só nos dá mais sede
o pulmão apertado procura o ar aqui se respira luta! ouvindo essa música tão bonita, Latinoamérica, e misturando trechos de conversas, são tantas as histórias. a do atendente, seu João, que veio do Nordeste, dizendo orgulhoso, quem vem do calor de lá está preparado pra tudo nessa vida, e é preciso estar preparado até pras coisas boas quando chegam, saber aproveitar e não perder as estribeiras. da mulher religiosa que crê na luta dos trabalhadores, pela força de Jesus e da nossa união vamos vencer! a do homem calado, que toma coragem de contar sua história num soluço, durante a greve não é marido, genro ou irmão, é companheiro.

da feminista que já sofreu tanto calada e encontrou no grupo mais diverso de mulheres, lésbicas e trans, Pão e Rosas, um espaço para contar suas histórias, ela gosta de falar, lá ela pode falar quanto quiser e ser ouvida. da leitura de Eles Não Usam Black-Tie, com o pessoal do ciclo de Leituras Públicas do TUSP. quando Tião tenta explicar pra Maria que furou a greve não por medo do patrão, mas por medo de encarar que é operário, que seu ganha pão é feito de greve e de luta, que a sua vida será como a de seus pais e de sua CLASSE. preferindo acreditar na chance de uma riqueza efêmera, abandona os seus. Maria manda ele embora, não vai junto mesmo com o filho no colo. a mãe de Tião chora emocionada, na peça e na vida. "O nosso amor é mais gostoso Nossa saudade dura mais O nosso abraço mais apertado Nóis não usa as bleque tais"
Adoniran Barbosa e esse processo todo de fazer parte da greve, do movimento Nossa Classe, de conhecer pessoas que vivem uma outra lógica, é rico demais. estou aprendendo tanto e revendo uma série de coisas... revendo e desconstruindo pra criar novos espaços, em mim e no mundo. ao mesmo tempo, é informação demais, intensa, urgente e importante... vou conciliando com meu jeito mais lento de absorver e fazer parte das coisas, não quero perder o bonde, mas também não quero me perder... vou tentando seguir consciente... contribuindo para alguma mudança. mesmo com qualquer atropelo de tempo, falta de jeito, turbilhão.



4.9.14

pontos de reticência


leonilson

linguagem
dialeto
trejeito

de algumas palavras-chave
relacionadas às partes do corpo

mania de combinar sensação
com acontecido

as vezes parece romance
as vezes rompante

de uma lembrança sensorial
um jogo de cabra-cega

que sempre escapa
do registro
do susto

num suspiro
arrepio

na dúvida, inverta a ordem
corte as palavras sussurradas

tire os pontos de reticência...


2.9.14

o corpo de um poema


coragem_cat power

de repente se passam todos os desencontros
me sinto acolhida
os olhares são doces e o toque das mãos sinceros
me pego enredada numa lembrança e em outra
como se estivesse apaixonada
me estranho
dou um sorriso
sigo desconfiada

como é bom sentir os passos numa direção que nos trás sentido
o tempo escoa, foge
sinto a mesma sensação dos pontos de encontro da vida
comigo
com algum sonho
com uma descoberta

e tudo isso está diluído
em corpos
palavras
razão
coração

e tão concentrado
que não deixa medo

olho tanto tempo
o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
pra me perder no que se quer de essência,
sonho
ou confissão