29.9.16

uma conversa sobre amoras e caixa d'água

por essas semanas, já perdi a conta de quantas, tive uma briga muito triste com meu pai... escrevo aqui meio que conversando sozinha, porque não sei o que fazer com a angústia que aparece de tempo em tempo.

bate uma preocupação, com a saúde e as coisas práticas da vida, que são bem difíceis, mas também de ficar imaginando o que se passa na cabeça dele, volto à história do quebra-cabeça e fico tentando encaixar uma peça e outra, tentando imaginar como é ser um homem como ele, num mundo como esse. tento entender de todo jeito o que vai levando a gente a se proteger tanto, tanto a ponto de machucar o outro... alguém que só devia fazer sentido amar e cuidar.

um homem carrega sua história, sua infância, carrega as diferenças e rupturas com seu pai, a mágoa que ficou da sua mãe, é triste pensar que só sei essa parte da história, será que não teve nada de bom dessa fase? lembro de olhar a foto branco e preta dos seus vinte e poucos anos, e das lembranças em botes de plástico amarelo e azul, no meio de rio e de muito mato, e enxergar uma alegria ali, alguém que tá sempre procurando o seu lugar e seu caminho. deve ter tido amor pra chegar até ali. e de lá pra cá uns desencontros, alguns ainda ficaram próximos, outros tão longes. eu não tinha essa intenção. nem entendo porque não consegui evitar, deixar pra lá... relevar o que é distante demais, guardar uma ligação, um café da manhã apressado, uma conversa sobre amoras e caixa d'água.

não quero me explicar pelos motivos todos culturais, sociais e políticos. esse texto é pesado e o que escrevi no dia do desabafo, cheio de impulso e choro, já é difícil o bastante pra processar. fico agora com o que ainda posso sentir, essa vontade de amornar a tristeza pra ir desfazendo os nós, essa sensação de o que os homens não tomam coragem de olhar e fazer, o tempo faz o trabalho de ir levando e levando... não sei bem pra onde.

e vou ficando sem resposta, nesse silêncio que se estende indefinidamente. e só posso achar que esse tempo e esse vazio, assim como tantos já impostos, só podem fazer parte de alguma lição que teimo em não aprender.


17.9.16

uma coleção de céus, noites e mares


ilustração da Juli Ribeiro


tem uns momentos da vida que tem uma beleza, uma poesia, são meio como aquela cena de um filme que  te faz sentir bem e dá uma nostalgia quando lembra

dá vontade de guardar numa coleção, uma coleção de céus, noites, mares, estrelas, árvores e lugares que nunca estivemos antes

um lugar longe, longe... e aquele lugar de todo dia, que de repente se transforma em outro

montanha, muito mato, uma subida íngreme, mão puxada pelas crianças, mirante, carona de trator, terra vermelha e um céu de estrelas

areia branca e fresca, lua amarelada tão perto do mar tocando a nossa pele, não parece noite, lençol pra proteger do vento que sopra como uma respiração lenta no pescoço

um bar, uma festa, uma sala de estar ou uma avenida no centro de São Paulo, uma brisa, ter que segurar nos braços da cadeira, na sua mão, pra não flutuar

tem esses momentos, que quando você tá vivendo sente que cada minuto é único, que precisa se descolar do corpo pra assistir tudo enquanto acontece, pra além de sentir o gosto e a sensação, poder ver a beleza da fotografia, da luz, do reflexo, dos movimentos

a gente nunca guarda o suficiente, o estalar das milhares de pequenas folhas secas, o céu entre as frestas da copa das árvores, olhar a noite por cima da marquise, apoiar a cabeça e por um instante esquecer de tudo mais em volta

esses recortes não são feitos só pelas coisas, pessoas ou lugares, são feitos de uma vontade, de uma mudança de ar, uma decisão, da passagem de um ciclo pra outro, de aceitar uma tristeza que passou e enxergar uma alegria que é possível

nessas horas perdemos a mochila, as coisas, o celular, as chaves, uma blusa, um brinco, perdemos a falta do chão e o medo, nos entregamos à vontade de não estar sozinhos na beira da estrada, entregamos um tanto da gente pra se fazer poesia...

13.9.16

bloguinho-diário-desabafo

retomo as origens desse bloguinho-diário-desabafo com postagens impulsivas, longas ou rápidas, pra fazer o tempo passar, esse remédio necessário, que gira a roda dos acontecimentos e força a mudança dos sentimentos.

dor não devia poder ser escrita, pra escrever é preciso sentir de novo e de novo, num exercício masoquista e obsessivo, nessa ilusão de ir até o fim, pra acabar.

o passar dos dias sempre me carrega e na ironia dramática, na inversão da rotina, nos contos sobre bailes russos e caves cheias de salitre musgoso me distraio. pelo menos por agora, deixa o sentido de lado um pouco, esquece o passado distante, mais ainda o próximo, pra sobreviver a todo esse emaranhado.

dor escrita, noite mal dormida, dia de sol, vestido fresco, sandálias, abraço de filho, almoço em boa companhia, risadas ao fechar das portas. uma segunda-feira cinzenta não resiste até o final, não vence a noite, a terça e a nossa teimosia.

10.9.16

famílias, atropelos, mentiras e desencontros

as últimas brigas e rupturas foram muito tristes e desgastantes, não consigo entender bem o que tá acontecendo. parece que até um certo ponto da vida tudo está sob algum controle, acreditamos de verdade que se somos bons, se cuidamos das pessoas que amamos, tudo vai ficar bem...

sempre achei que era essa minha natureza, sempre me senti muito mal por chatear ou decepcionar alguém, gastei alguma, muita energia mantendo as pessoas por perto, costurando uma história cheia de retalhos e tentando lembrar de cada parte boa, cada parte bonita, fazendo tudo parecer certo pra ideia de família que tenho na cabeça.

talvez meu enorme talento seja realmente me enganar, talvez a verdade esteja o tempo todo na minha cara, e tudo, tudo mostra a verdade, tudo o que está ruindo em volta e eu não consigo nunca enxergar...

procuro a verdade, procuro em mim, nos outros, tento me convencer dela... e a cada esquina, sem aviso prévio algum, tudo se acaba, desmorona.

sempre me confundi com as datas desse período, acho que uma vez ou outra tentei lembrar com a minha mãe, não adiantou muito. a gente tem um jeito impulsivo, emocional e confuso parecido pra lidar com essas coisas. ou talvez, tenha sido mesmo o período mais difícil das nossas vidas, e dói demais lembrar.

(como agora talvez, que tava andando distraída e do nada fui atropelada por uma briga sem pé nem cabeça)

só sei que sempre fui uma menina cheia de sonhos idealistas, sempre fui, fui criada sem ambição material alguma e um bom tanto solta das questões práticas, da vida real. não to reclamando, gosto disso, sigo em boa medida assim... e a parte das questões práticas, a necessidade de criar o Caio sozinha me fez dar um jeito, to indo mais ou menos bem nisso, acho.

e acreditava nos meus pais, via a minha mãe triste, doente, lembro de ter uns 12 anos e tentar ajudar a minha mãe a não ficar tão triste, a ver o que tinha de bom na nossa vida e a tomar coragem pra mudar o que fosse necessário, se separar do meu pai se fosse o melhor pros dois, se fosse o melhor pra ela principalmente.

via meu pai nervoso e distante, muitas vezes alto de bebida, achava muito estranho ele passar tantos dias, semanas fora de casa e voltar, falar algumas coisas aceleradas caindo meio de para-quedas e depois de um tempo ir embora de novo...

na cabeça deles, eles estavam nos protegendo assim, posso entender isso, sei que posso. sou adulta agora, sei de toda angústia, responsabilidade e peso que tá envolvida em tentar manter uma família de pé. já passei por relacionamentos e separações difíceis também, sim eu posso entender.

essa parte das mentiras mesmo, também poderia ser elaborada como mais um retalho pra costurar na história da nossa família, poderia sim.

mas quer saber, não estou conseguindo mais, não consigo ser a responsável pra que fique tudo bem. essa briga de hoje me magoou tanto, fico lembrando dos flashes das coisas absurdas que ouvi e me assusta pensar que é isso o que meu pai pensa de mim...

to muito, muito cansada de ser atropelada sem mais nem menos, de ouvir ironias agressivas e julgamentos, de acharem que sou o oposto de tudo o que quero e acredito. não consigo admitir, não posso e não quero, não consigo mais, que me digam como tenho que viver minha vida, no que devo acreditar ou pensar. não suporto esse tipo de julgamento de quem pega um recorte da sua vida (o recorte virtual é o pior de todos) e desconsidera tudo o mais que preenche dias e dias, noites e noites, anos, de medos, sonhos, escolhas, decisões, alegrias e tristezas e tantas coisas mais. pior, vindo de uma pessoa que me ama, e que pelo menos nesse caso em particular, deveria sim respeitar e se preocupar com meus sentimentos.

de repente, tudo que vivi é uma história mal contada da minha imaginação. não teve mãe por anos e anos triste e tentando de todo o jeito cuidar de todo mundo, não teve os buracos sem explicação alguma de ninguém, não teve outra família que a gente nunca soube e só descobriu quando meu pai estava quase morrendo na cama de um hospital.

ah, e de repente fico sabendo que to envolvida com um monte de coisa ruim (sou só uma ditadora-esquerdista-capitalista-filha-da-puta), to seguindo o caminho do mal... sou política demais, minhas opiniões são agressivas e greve é coisa de capitalista que só pensa em dinheiro... branco também sofre racismo e os empresários ricos são as melhores opções pra política, pq quem é milionário e mora em mansão não vai roubar o povo... mulher que cansa depois de mais de 20 anos de um casamento difícil e pede a separação, na verdade expulsou o homem pobre coitado de casa, e a outra mulher que teve que pedir pensão na justiça pra sustentar a filha também não entendeu a situação e foi cruel. e é bem razoável chegar na casa da sua filha mais velha, que sempre segurou a barra de toda essa família e ainda cria um filho sozinha, e soltar tudo isso com a maior arrogância e ironia, pq é mesmo engraçado tratar mal a sua filha que sempre fez o maior malabarismo pra tentar entender tudo isso e continuar por perto.

sinto, sinto muito por cada briga, por cada distância, porque dói demais e meus olhos e garganta doem absurdamente porque não consigo parar de chorar... mas se a versão que tenho é a do outro lado, é porque esse lado esteve cada dia, em cada situação boa ou difícil, do meu lado, com suas qualidades e defeitos, as vezes do jeito melhor ou pior, mas nunca, nunca tive dúvida de que se eu precisasse seria a minha mãe a primeira pessoa a chegar. 

e isso não diminui em nada o meu amor e o meu cuidado, todo o que pude até aqui, com meu pai... com esse outro lado que não dá o braço a torcer nunca, que se machuca e se maltrata, se cuidando mal e bebendo demais, que quase morreu de tanto fumar. que ensinou um monte de coisa boa e diferente pra gente, e que passou um bom tanto desse gênio difícil que temos... talvez um tanto desse orgulho que foi tão alardeado nessa última briga.

você construiu todo o seu caminho agarrado na sua autonomia, nasceu sozinho e vai morrer sozinho, como sempre repete a cada discussão... 

(engraçado é que a sua mãe te carregou 9 meses como todas as mães fazem e deve ter abraçado e cuidado ao menos um pouco, o suficiente pelo menos pra você crescer e sobreviver bonito e forte, né?... e acho que ninguém acharia mal morrer com a cabeça tranquila no travesseiro, sabendo que seus filhos e algum amigo, onde quer que estejam, alguns por perto ainda quem sabe, te desejam bem e querem cuidar de você... será que é tão errado ou idealista desejar isso também... e ainda ter a humildade para admitir? não sei)

bom, o fato é que do jeito que pude to aqui, sou uma adulta agora, e talvez o que a gente tenha mais forte em comum, seja exatamente essa necessidade por autonomia, por liberdade... e exatamente por isso não vou aceitar mesmo, muito menos com brincadeiras irônicas e desrespeitosas, que ninguém, ninguém, até mesmo você me diga como devo viver... não consigo mesmo. 

ah, tem uma técnica que é muito boa, é simples, mas exige um pouco de esforço, sempre tento com o Caio pra tomar cuidado e entender o que tá acontecendo com ele, pra saber como ele pode estar se sentindo... tenta lembrar de quando você tinha 30 e poucos anos, de quando você tava dando um duro danado trabalhando, talvez tentando estudar alguma coisa que gostava e ainda sustentando suas filhas pequenas... pensa em como se sentia e o que acharia se alguém com ironias ficasse te provocando e questionando suas escolhas e crenças... essa sou eu hoje pai, e sem "parceria" pra dividir nada, acho que dá pra entender que toda ajuda, respeito e consideração seriam muito, muito importantes em qualquer conversa ou situação.

e depois de tudo que aconteceu, do jeito mais atropelado e confuso possível, com verdades saindo de passados inimagináveis e complicados... só posso desejar que você fique bem, que do jeito que for possível sempre vou desejar isso.

* e cada vez que penso em tudo isso dói tanto... que negócio horrível a gente faz uns com os outros.