30.3.11

ação x paciência / tempo

A vida acontece em sensações, impulsos, gestos, palavras, vontades. Pensamos, racionalizamos, tentamos nos convencer de certas coisas, mas uma força maior age transpassando tudo, através de nossos olhares e decisões.

Ouvir essa força, ou melhor, sentir essa força exige muita calma, paciência, na medida precisa, exige tempo. Ações desencadeadas freneticamente, automaticamente, por vontades outras ou de outros, não dão o devido espaço, necessário, imprescindível para que os acontecimentos sejam permeados por essa força, pela força que rege nossa energia, nossa existência, nossa direção.

Quando eu tenho medo, dúvida sobre o que estou fazendo e sobre o caminho que estou seguindo, começo a pensar compulsivamente em minhas escolhas, passos e decisões.

Alucinadamente, encadeadamente coloco um pensamento ao lado de outro, uma ideia após outra, uma escolha defronte outra, preencho o espaço da dúvida com uma massa pesada e indigesta de pensamentos.
O que acontece é que tudo fica mais confuso ainda, tudo fica tão emaranhado que fico mais presa, perdida e sufocada com a situação.

Não tenho a receita "certa" de como lidar com isso, mas percebo que a calma, a respiração, o tempo são um caminho possível... na verdade quero experimentar, mesmo que com alguns tropeços, uma fórmula que encontrei por acaso nos textos muito bem escritos e cativantes do blog Meta(fora).

Num acaso completo de nomes iguais, encontrei alguém totalmente diferente, que fala sobre viver, existir, soltar flechas-palavras, praticar o desapego e respirar... curioso.

Fórmula: f (EU) = ação x paciência / tempo
Fonte: http://ametafora.blogspot.com/

"Resolvi então, encarar essa pessoal antagonia e não foi complicado entender a paciência e a ação como elementos químicos que formam algo indispensável para a vida. Como o ar, por exemplo. De fato, eu não domino esse equilíbrio químico, mas já entendi que temos aí diversas reações e dependendo da quantidade de cada um desses nossos elementos num meio qualquer e sob efeito da gravidade, temos uma poderosa fonte de energia." Anderson Lopes 

29.3.11

Lixo e Purpurina

identificar-se com o texto de outro, fazer parte da conversa do outro numa licença permitida, concedida, um olhar pela fechadura do quarto escuro, por trás dos xales que escondem o cheiro forte do lixo e o brilho ofuscante da purpurina.

um passo adentro de outro completamente diferente, completamente igual, mesmo sexo, mesmo sentimento, mesma força, outro tempo.

ser personagem, ser o ombro de um amigo, ser o canalha que deixou o amor esperando, de lado, ser o gravador e o telespectador, ser nós mesmos com mais vontade. quando alguém pula primeiro fica mais fácil, vemos diante dos olhos que a queda não é morte, é também vida, é ser, é estar no mundo no tempo presente. é necessário sentir a queimadura nos pés do chão gelado para lembrar que cada passo é vida. cada passo é caminho, assim como cada escolha, que proporciona caminhos diferentes e não "o caminho", se for errado voltamos e pronto, mudamos a rota.

e você? do que você tem medo?

olhos azuis cor de água, profundos, límpidos, sem fim, eu tenho medo do mesmo que você, de faltar um abraço na hora do sufoco, de faltar uma mão sobre os cabelos, pelos ombros, de faltar o sexo na hora do desejo, de não ter amor, de não ter sossego.

tenho medo de só contar comigo que não dou conta nem de existir... o que se diz quando se quer morrer? não se diz nada, eu não digo nada.

e a cidade louca é o cenário, do monólogo London, das imagens São Paulo. você que passa invisível pela multidão, você que anda mecânicamente pelas ruas e metrôs, você também está no caos, você é o caos.

quem vive no caos pode sonhar com flores?

(texto escrito por mim baseado na peça Lixo e Purpurina)




"Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só essa vontade quase simples de estender o braço pra tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nessa janela, já dissemos tudo o que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação, impressão, ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e com a ponta dos meus dedos tocar você, natural que seja assim: O toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora."

"Pensei em você. Eram exatamente três da tarde quando pensei em você. Sei porque perdi a cabeça como se você fosse uma tontura dentro dela e olhei o digital no meio da avenida."

"Chega em mim sem medo, toca meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: -Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como esta. Feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você. Nada mais importa."

(trechos de Caio Fernando Abreu)

28.3.11

Sonhos

Sonhos
Românticos de mãos dadas
doces e ingênuos.
Outros úmidos, febris
Sonhos possíveis de apalpar
sentir a carne e o cheiro
algumas sensações são tão fortes que ficam impressas no corpo,
mesmo ao acordar.
Hora me fazem sentir saudades,
hora repulsa.
Nos sonhos você é outro
suas mãos são tão suaves na pele como nunca foram,
e a ternura, o desejo
são proporcionais a vontade de sentir
a vida
os gestos
o frívolo e o essencial...

25.3.11

vou te contar um segredo

um segredo bom
bem baixinho
no ouvido

o sentimento existe em diversas formas e tempos
um dia é surpresa
noutro rotina

meu tempo vai e volta lento
devagar ao vento

uso rimas bobas pra disfarçar a falta de graça
a falta de jeito
dos meus sentimentos

um sentimento assim assim
que quer ser grande
quer aparecer
chamar atenção
e ser acariciado

um sentimento medroso
que tem medo de escuro
do novo
do tolo

de um estar cheio de remendas
histórias curtas e tristes
longas e doloridas

de um estar que cansou de choro
e quer sorriso
apenas por sorrir
pra existir mais leve
mais solto
cheio de cor
cheio de amor

não, não um amor sério
um amor de brincadeira
um amor de gostar de conversar e rir um com o outro

um amor sem regras nem caminho traçado

enquanto isso o tempo pensa
a mente flutua entre um futuro incógnito
e um passado nebuloso
um passado que dorme submerso
quieto
que depois de soltar umas palavras poucas
broncas
se cala
e se perde
num outro caminho que não é o meu

e eu me seguro
fico atenta aos meus impulsos
não quero mais seguir automaticamente
sem rumo
nem amparo

fico de olho nos segredos
esses tão leves e soltos
que são indefinidos
que podem ser nada
que podem ser tudo

um despertar para o outro
um mergulho

21.3.11

último dia

último dia com você, último dia de uma história, último dia de um lugar...
últimos dias são especiais
mais melancólicos
ou mais esperançosos por mudanças
são tristes e especiais
são alegres e especiais
podem ser cheios de alívio
cheios de graça
cheios de lágrimas

a sensação do fim que fica a espreita
a realidade que só se concretiza com o passar dos dias, meses, anos

um fim para o bem
um fim para a tristeza e sofrimento que não fazem mais sentido
um fim para a desconexão, para o desencontro de todos os dias
dos corpos e da alma!!

tantos fins para um recomeço

amar e deixar passar
passar para trás
para outro dia
para outra vida
deixar passar por você e através de você sem ficar
sem se apegar ao coração

o coração que perdido lutou tanto por um amor sem razão
um amor sem emoção
que não compartilha ideias nem sentimentos
um amor que não compartilha lágrimas
um amor no qual um sofre olhando para dentro e o outro da risadas olhando para fora
no qual os olhares não se cruzam
num fim cego
num fim infinito
até que o amor passe
ou se acalme
ou se transforme em lembrança
em memória de um tempo que já passou
em história
com começo, meio e fim.

17.3.11

Ela falou comigo!

Ela olhou pra mim e voltou a falar comigo, brigamos, nos desentendemos e olhamos para direções opostas, tentamos com toda força nos ignorar, usamos nossa energia para nos afastar, isso nos consumiu, ficamos cansadas, a pele opaca e os olhos secos, o ar pesado, o mundo apertado, no momento em que ela me olhou senti o calor de volta ao corpo, um quentinho no coração, me desmontei em choro.
As palavras duras faziam cada vez menos sentido e a dor passou. Não que tenha desaparecido, deixou suas marcas e seus avisos, "cuida melhor de quem você ama isso pode valer uma vida, um dia, um segundo que seja, valioso demais"...

12.3.11

diário

eu sou egoísta é minha natureza, talvez meu caráter
pessoas deprimidas são mais egoístas ainda, ou talvez eu seja mais egoísta ainda por essa ser a minha natureza
sendo egoísta como sou e não gostando nem um pouco de mim nesse momento, preferia não existir
minhas palavras me perturbam, minha voz soa tão covarde, a sensação de existir está doendo, minha pele coça e se irrita ao menor toque com o mundo, não suporto a sensação dos tecidos sobre a pele, da umidade em meus cabelos, o ar parece áspero e espinhoso.
não quero morrer, quero não existir
minhas cartas de pedido de socorro desesperadas são chatas demais para serem lidas até o fim, são ridículas demais para serem levadas a sério, são fracas demais para serem reais
não pertenço a mundo algum e os vínculos que tenho são resultado de um esforço absurdo em mascarar minha existência impertinente, insuportável, desprezível
no trabalho sou aquela pessoa tediante, isolada, esquisita, que fala sobre a sua coerência no meio de suas ações tão incoerentes quanto vazias e inúteis
em casa sou a filha mal humorada, fria, irônica e ingrata
a irmã egoísta (é claro), irritante, fútil, metodicamente viciada em limpeza e em colocar as coisas friamente alinhadas, paralela ou perpendicularmente
a mãe irresponsável, que chega tarde em casa e perde a paciência com coisas ridículas e insignificantes
a mulher que representou por tanto tempo ser uma menina, uma boneca, uma marionete sem vontades e sem personalidade, que agora aparece como louca, neurótica e amargurada por não ter mais ânimos para representar
sem sonhos
em altos e baixos, mais baixos que os altos que andam meio por baixo
minhas palavras não servem mais, estão gastas, sem valor, sem significado, numa verborragia desperdicei seus sentidos, assim o faço todos os dias em tentativas sem respostas
essa pessoa que acredita nas palavras, espera por elas, se ilude e desilude a cada tentativa, como uma viciada sem limites
jogando na cara dos outros a toda e qualquer oportunidade verdades frívolas que não deveriam ser ditas, por educação, são inconvenientes
não existe mais vergonha porque só existe a vontade de não existir, e como numa prece as palavras são usadas e abusadas, são vontades, são pedidos egoístas
o meu tempo não se encaixa no tempo de mais ninguém, o meu tempo é decompassado, sem ritmo, sem tom
minha voz é travada pela falta de espaço interno, pela falta de reflexo no mundo, os espelhos estão voltados para direções mais interessantes, mais divertidas, menos obscuras e sufocantemente intensas, pretenciosamente intensas
a intensidade pode derrubar, pode enterrar o que sobra de uma pessoa
o vazio pode consumir o ar rarefeito, pardo, pesado na superfície baixa
a vida é feita num caminhar, caminhar sozinho, em silêncio, na companhia dos pensamentos, não adianta falar tanto, não adianta falar alto, não adianta se entorpecer, a cada passo os olhos que se abrem ainda são os seus, os pensamentos não se dissipam, a existência insiste
isso é viver
não tenho a coragem para outra opção, só me resta desejar
não existir.

10.3.11

Eu matei minha mãe

inspirada no dia da mulher, post de amigos, conversas e desabafos, resolvi escrever sobre o que é ser mulher hoje, o que é ser mulher pra mim.

algumas tentativas depois...

tentando fugir do lugar comum, das queixas, da competição, resolvi colocar aqui o texto que escrevi sobre um filme que assisti no carnaval, um filme feito por um homem, filho de uma mulher como todos os outros, uma mulher que se entrega e faz o máximo que pode para criar seu filho decentemente como muitas mães o fazem.

uma mulher louca, simplesmente porque é louca, mas também por causa das circunstâncias.

Eu matei minha mãe

(J'ai tué ma Mère, 2009)
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Gênero: Drama
Origem: Canadá
Duração: 96 minutos
Tipo: Longa-metragem


"Eu amo a minha mãe, se alguém fizesse mal a ela eu seria capaz de matar", "não tenho capacidade de amá-la, nem capacidade de parar de amar" (frases lembradas do filme, sem transcrição fiel)

Um filme cheio de amor, realidade, momentos que lembram nossa relação com nossa mãe, minha mãe, momentos que lembram minha relação com meu filho.

Quando o diretor do colégio interno questiona a mãe de Hubert sobre a falta de uma presença masculina, e ela tem um ataque histérico, eu sei bem o que é isso, minha mãe também, o esforço e o desgaste para dar conta e saber que esse máximo ainda não é suficiente, não é fácil, precisar tomar conta das situações e das responsabilidades porque não existem homens para dividir a dor, as dúvidas, as dificuldades. Casada, divorciada, mãe solteira, quantas podem dizer que tem um homem para dividir essas dificuldades, para sentir o peso um pouco menos. Definitivamente não são a maioria.

Os filhos amam tanto suas mães apesar de tudo, apesar do ódio, afinal por muito tempo elas são tudo o que eles têm.  São a força e a fraqueza, o equilíbrio e a loucura, o amor e o ódio.

E ao mesmo tempo a identificação com o filho, que cresceu, não tem mais 4 anos e não tem culpa por isso, o seu mundo ficou mais complexo, suas relações mais intensas, seus conflitos agora são de vida ou de morte, muitas coisas fogem à compreensão de sua mãe, de qualquer mãe que seja sua. Ele não consegue mais pular nos braços aconchegantes dizendo mamãe eu te amo, num esforço desajeitado e sem tamanho diz “mãe te amo”, as palavras saem tão duras que a mãe se assusta, “eu também filho”, ele termina já fugindo “só para você não esquecer”.

E existe tanto amor, e tanta raiva, e ele “E se eu morresse hoje” e ela “Eu morreria amanhã”.

O filho que tenta a todo custo compensar o esforço todo, compensar, satisfazer, suprir, quase como se assumisse o papel do marido, sem sucesso. (isso acontece com as filhas também)

Quem não tem ou teve vontade de fugir de sua mãe, quem não perdeu a calma e falou tudo da pior maneira e sentiu a pior das culpas que existe. Quem não se cansou de responder a mesma pergunta mais de cinco vezes e acabou sendo grosseiro (quem não pensou/disse que sua mãe deve ter Alzheimer!!). Quem?