29.3.11

Lixo e Purpurina

identificar-se com o texto de outro, fazer parte da conversa do outro numa licença permitida, concedida, um olhar pela fechadura do quarto escuro, por trás dos xales que escondem o cheiro forte do lixo e o brilho ofuscante da purpurina.

um passo adentro de outro completamente diferente, completamente igual, mesmo sexo, mesmo sentimento, mesma força, outro tempo.

ser personagem, ser o ombro de um amigo, ser o canalha que deixou o amor esperando, de lado, ser o gravador e o telespectador, ser nós mesmos com mais vontade. quando alguém pula primeiro fica mais fácil, vemos diante dos olhos que a queda não é morte, é também vida, é ser, é estar no mundo no tempo presente. é necessário sentir a queimadura nos pés do chão gelado para lembrar que cada passo é vida. cada passo é caminho, assim como cada escolha, que proporciona caminhos diferentes e não "o caminho", se for errado voltamos e pronto, mudamos a rota.

e você? do que você tem medo?

olhos azuis cor de água, profundos, límpidos, sem fim, eu tenho medo do mesmo que você, de faltar um abraço na hora do sufoco, de faltar uma mão sobre os cabelos, pelos ombros, de faltar o sexo na hora do desejo, de não ter amor, de não ter sossego.

tenho medo de só contar comigo que não dou conta nem de existir... o que se diz quando se quer morrer? não se diz nada, eu não digo nada.

e a cidade louca é o cenário, do monólogo London, das imagens São Paulo. você que passa invisível pela multidão, você que anda mecânicamente pelas ruas e metrôs, você também está no caos, você é o caos.

quem vive no caos pode sonhar com flores?

(texto escrito por mim baseado na peça Lixo e Purpurina)




"Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só essa vontade quase simples de estender o braço pra tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nessa janela, já dissemos tudo o que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação, impressão, ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e com a ponta dos meus dedos tocar você, natural que seja assim: O toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora."

"Pensei em você. Eram exatamente três da tarde quando pensei em você. Sei porque perdi a cabeça como se você fosse uma tontura dentro dela e olhei o digital no meio da avenida."

"Chega em mim sem medo, toca meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: -Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como esta. Feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você. Nada mais importa."

(trechos de Caio Fernando Abreu)

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