20.7.11

Encontrando respostas

Ontem assisti àquele filme que queríamos ver, Estranhos Normais, o filme não é deslumbrante, mas é engraçado e tem seus momentos especiais.


De cara ele já ganha pontos por dedicar o filme à todas as pessoas que tem medo, ou seja, todas as pessoas, e vai falando do que as pessoas têm medo, as pessoas têm medo de tudo, temos medo de nossa própria sombra, temos medo de ter medo!

O filme tem imagens muito bonitas, em muitas cenas o vermelho é forçadamente destacado, disso eu não gostei muito, parecia uma tentativa frustrada de criar um clima como o do filme Amelie Poulain.

Outro ponto para o filme se deve aos diálogos e olhares das personagens, sabe quando encontramos uma pessoa que nos sentimos bem quando estamos perto, instantaneamente, sentimos isso nos diálogos e olhares do filme, é como se por trás de todo o teatro, o filme passa uma esfera de teatro, ainda pudéssemos ver e sentir um real entrosamento dos atores, das pessoas vestidas de personagens.

Bom mas o que queria de fato contar para vocês é sobre um trecho de uma crítica do filme que li hoje:

"No melhor dos casos reencontramos a inspiração mais profunda do diretor de Mediterrâneo, que venceu o Oscar de filme estrangeiro. A sociedade seria opressiva; faria as pessoas seguirem destinos que não são os seus. Algum acidente pode fazer com que se reencontrem. Em Mediterrâneo era a guerra. Em Estranhos Normais pode ser um casamento prematuro, ou uma doença. De toda forma, qualquer pretexto é válido para uma pessoa abandonar a rotina alienante e satisfazer suas aspirações mais profundas. Essa é a visão de mundo de Salvatores, que não precisaria de metalinguagem para se exprimir." (Luiz Zanin)

No trecho em negrito, qualquer pretexto é válido para uma pessoa abandonar a rotina alienante e satisfazer suas aspirações mais profundas, esse trecho diz exatamente o que eu estava pensando, precisamos de um argumento, melhor ainda se for um argumento livre de culpa, para podermos ser o que realmente somos ou queremos ser.

Quando li esse trecho lembrei imediatamente de um desejo que sempre nutri em segredo, desde a adolescência, a princípio pode parecer mórbido, mas não é, ele ilustra exatamente essa vontade imersa que todos temos, de viver os dias como se fossem os últimos, de fugir e jogar tudo para os ares, de mandar o que não gostamos para os infernos, de se sentir no direito de só fazer o que faz sentido. Todos esses desejos grandes e ousados se escondem por trás da exigência de termos um argumento livre de culpa, como a morte iminente, uma doença muito grave ou a morte de alguém muito próximo.

Agora eu me/te pergunto, porque é mais fácil imaginar um argumento livre de culpa ligado a morte do que um ligado a vida. Que mecanismo é esse que criamos irracionalmente que nos paralisa e nos protege numa vida medíocre e cheia de medo. Isso realmente é uma vida segura. É uma vida vivida. Afinal o que vamos fazer com todo esse medo.

Num ensaio da Maria Rita Kehl chamado Elogio do Medo, ela fala um pouco da importância do medo, é preciso ter medo para instigar a coragem, a curiosidade e a imaginação. Desde criança gostamos do medo num jogo emocionante de encarar os próprios limites, do medo vem o frio na barriga, vem a euforia de quando atravessamos um trajeto escuro, vem a vida que sentimos latejando em nossa veias quando temos a coragem de encará-lo.

Afinal, estamos perdendo a coragem?

8.7.11

Minhas tardes com Margueritte

França (2010) – 81 minutos.
Gênero: Drama
Direção: Jean Becker
Elenco: Gérard Depardieu, Gisèle Casadesus, Maurane, Patrick Bouchitey, Jean-François Stévenin, François-Xavier Demaison, Claire Maurier, Sophie Guillemin

Não tinha visto o trailer, não tinha nenhuma informação sobre o filme e não tinha sentido vontade de ver o filme antes, foi uma surpresa maravilhosa!!

Começando pelo caminho quando a Natália começou a contar o trailer e como ela ficou sabendo do filme do jeito mais engraçado... e depois quando ficamos paradas uns 20 minutos na frente dos posters dos filmes pra resolver o que agente ia assistir, eu, a Natália e a Juli, "tá dois filmes são franceses e com o Gérard Depardieu", "Meia noite em paris a Natália já viu e vamos entrar com o filme já quase começando", Juli "acho que eu não consigo entrar no cinema com o filme já começando", Natália " se formos no das 19h50 vai dar tempo de comer", Juli "Esse filme francês é desses que a trilha sonora inteira é um cara tocando um piano ou algo assim tananananã o filme inteiro?",  Natália "o poster do filme do RH parece cópia da Miss Sunshine", resolvido "Minhas tardes com Margueritte".

O filme praticamente não tem trilha sonora (ufa!) é feito de diálogos e de flash backs na vida de Germain, nos flash backs a mãe do Germain parece a Amy Winehouse e numa das poucas demonstrações de amor ao filho, e numa das melhores cenas do filme, quando o namorado da mãe bate nela e em seu filho, ela fura a perna do homem com um garfo gigante, desses de pegar feno em fazendas, com uma raiva, e o expulsa de casa.

O que mais gostei no filme é a delicadeza que perpassa em todas as cenas, na atmosfera do lugar que as personagens vivem e nas relações, todos de alguma forma tem uma relação de cuidado, e mesmo não sendo dito, de amor.

O que faz esse amor sutil ficar mais evidente é o encontro com Margueritte, uma senhorinha elegante, em seus 95 anos, com um olhar de pura doçura e uma disposição enorme para amar, viver e compartilhar enquanto puder. Do jeito mais doce que se pode existir ela mostra para Germain a inteligência e grandeza que ele não consegue enxergar em si mesmo, e através do olhar dela todos os outros começam também a perceber que o homem tão grande de tamanho e força, é grande também de coração, e na capacidade de percepção e compreensão da vida. Quando ele começa a ouvir as leituras de Margueritte encontra as palavras para nomear as coisas que sempre estiveram confusas em seus pensamentos e emoções... esses sentimentos começam a ficar claros, ganham sentido em sua vida.

Descobre que é amado e que pode retribuir, que pode ter uma família, que pode amar Anette e Margueritte, intensamente, um amor hora fraterno, hora passional. Descobre que pode ser ele mesmo até com seus amigos, que estranham suas mudanças, dão risadas de seus foras, mas o querem sempre por perto.

E por fim descobre que foi amado e cuidado por sua mãe também, até por ela, "no final acabamos todos uivando/chorando no túmulo de nossas mães"*.

* ainda vou encontrar a frase exata ou transcrever do filme, assim solta ela pode parecer simples, mas numa outra cena perfeita em que Germain cita a frase para seus amigos na hora do almoço em uma obra, ela faz tanto sentido, que sentimos o poder real que as palavras podem ter.

5.7.11

As formigas têm foco. Chega de formigas.

Clara já chorou no banheiro algumas vezes.

Sabe aquele choro que é preciso sair correndo para o banheiro antes de desabar, que ao passar pela porta já espirram lágrimas desesperadas e que todo mundo sabe que você vai chorar, praticamente já te viram chorando, mas é preciso chorar o resto em segredo pra manter alguma dignidade, e mesmo que totalmente falsa, alguma indiferença. Clara já passou por isso.

E quando o choro fica entalado, e isso acontece no meio de uma reunião, e é preciso segurar o entalo na garganta e as bochechas vermelhas por mais de uma hora. Quando você finalmente consegue ir ao banheiro o rosto é puro fogo e a garganta está do tamanho de uma bola de futebol, do tanto que está preso, e não dá para chorar mais, só fica aquele quente no fundo dos olhos e o gosto ruim na boca. Clara estava assim hoje. Por que ir no banheiro? Não caiu uma lágrima. Mas ela precisava, precisava colocar as mãos no rosto, fechar os olhos e chorar mesmo assim, sem lágrimas. Um choro desses dói bastante. E mais cedo ou mais tarde as lágrimas chegam, em enxurrada, muitas vezes na hora mais inconveniente.

Ta bom, elas vieram, elas sempre vêm, as lágrimas. E agora Clara? Que se vai fazer?

No momento do choro parece que é tudo tão gigante, parece que o mundo é um rolo compressor e Clara se sente uma formiga. Uma formiga injustiçada e abandonada. Será que alguma formiga já sentiu isso?

Na verdade parece que as  formigas sempre sabem o que fazer e para onde estão indo. Na verdade, verdade mesmo, as formigas parecem ter uma coragem suicida, pois continuam seu caminho não importando o obstáculo, continuam e continuam, debaixo de um sapato ou na beirada de um precipício. Alguém já conseguiu tirar uma formiga de seu caminho? Quando se tenta fazer isso, geralmente ela morre esmagada.

As formigas têm foco. Chega de formigas.

Foco Clara. A Clara nunca foi boa em ter foco, no terceiro colegial estava em dúvida entre uns cinco cursos para a faculdade, algo como Artes Plásticas, Geografia, Jornalismo, Serviço Social e Arquitetura. Até hoje não sabe o que quer ser quando crescer. Até hoje se mete em apuros com uma facilidade. Até hoje não se sente adulta e morre de rir com adultos de 30 anos, que parecem estar fantasiados e brincando de ser sérios.

Clara escreve palavras sinceras e perdidas para chefões que só pensam em produção e em mostrar resultados pra plataforma política. Fala de desenvolvimento humano pra gerente de banco. Sonha com poesia, música, cultura e arte quando muitas vezes falta o dinheiro da passagem.

continua...