5.7.11

As formigas têm foco. Chega de formigas.

Clara já chorou no banheiro algumas vezes.

Sabe aquele choro que é preciso sair correndo para o banheiro antes de desabar, que ao passar pela porta já espirram lágrimas desesperadas e que todo mundo sabe que você vai chorar, praticamente já te viram chorando, mas é preciso chorar o resto em segredo pra manter alguma dignidade, e mesmo que totalmente falsa, alguma indiferença. Clara já passou por isso.

E quando o choro fica entalado, e isso acontece no meio de uma reunião, e é preciso segurar o entalo na garganta e as bochechas vermelhas por mais de uma hora. Quando você finalmente consegue ir ao banheiro o rosto é puro fogo e a garganta está do tamanho de uma bola de futebol, do tanto que está preso, e não dá para chorar mais, só fica aquele quente no fundo dos olhos e o gosto ruim na boca. Clara estava assim hoje. Por que ir no banheiro? Não caiu uma lágrima. Mas ela precisava, precisava colocar as mãos no rosto, fechar os olhos e chorar mesmo assim, sem lágrimas. Um choro desses dói bastante. E mais cedo ou mais tarde as lágrimas chegam, em enxurrada, muitas vezes na hora mais inconveniente.

Ta bom, elas vieram, elas sempre vêm, as lágrimas. E agora Clara? Que se vai fazer?

No momento do choro parece que é tudo tão gigante, parece que o mundo é um rolo compressor e Clara se sente uma formiga. Uma formiga injustiçada e abandonada. Será que alguma formiga já sentiu isso?

Na verdade parece que as  formigas sempre sabem o que fazer e para onde estão indo. Na verdade, verdade mesmo, as formigas parecem ter uma coragem suicida, pois continuam seu caminho não importando o obstáculo, continuam e continuam, debaixo de um sapato ou na beirada de um precipício. Alguém já conseguiu tirar uma formiga de seu caminho? Quando se tenta fazer isso, geralmente ela morre esmagada.

As formigas têm foco. Chega de formigas.

Foco Clara. A Clara nunca foi boa em ter foco, no terceiro colegial estava em dúvida entre uns cinco cursos para a faculdade, algo como Artes Plásticas, Geografia, Jornalismo, Serviço Social e Arquitetura. Até hoje não sabe o que quer ser quando crescer. Até hoje se mete em apuros com uma facilidade. Até hoje não se sente adulta e morre de rir com adultos de 30 anos, que parecem estar fantasiados e brincando de ser sérios.

Clara escreve palavras sinceras e perdidas para chefões que só pensam em produção e em mostrar resultados pra plataforma política. Fala de desenvolvimento humano pra gerente de banco. Sonha com poesia, música, cultura e arte quando muitas vezes falta o dinheiro da passagem.

continua...

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