11.9.14

mulher-rotina


desenho da Ju

quando a confusão se instala
se espalha
dentro, em volta, numa conversa despretensiosa
na tentativa de retomar o ponto de partida

dispara o ponteiro do relógio
arrasta as horas
inverte o dia pela noite
tira o sono
dorme

a confusão vai seguindo misturada
as vezes pesa mais
as vezes vira piada

mentira ligeira
filho, amor, casa, greve, conversa com a diretora
professora, filho, casa
mercado, feira
contas vencidas
poesia, dia
assembleia, passeata
noite, beijo, greve, casa, filho, encontro
corte de ponto
ameaça
ato
pizza, sol, abraço
lava, limpa, guarda
meia suja, chulé
conversa jogada fora
conversa séria
medo, casa, amor, filho
vontade de não fazer nada
vontade de fazer tudo
leva e trás
o ônibus que não passa
semana de provas
dentista
informação
propaganda eleitoral
contradição
a conta de luz dobrou
toda noite falta água
reposição de horas
verdade atropelada
janta atrasada
beijo e abraço de boa noite
encontro
sono
filho
coragem
vontade
cansaço

tudo parece demais

volta,
volta tudo
e recomeça


ps. essa poesia aí de cima tem um tom meio leve, quase de brincadeira, pra mostrar um pouco da minha rotina, tem coisa boa e tem coisa difícil, as vezes é melhor, as vezes dá vontade de fugir, não ter vergonha de assumir isso é parte de um processo importante de reconhecer que nem tudo é tão natural e cor de rosa assim, como nos sonhos de menina que nos querem vender desde tão cedo.

e no encontro com tantas mulheres batalhadoras vai ficando cada vez mais claro o quanto o peso de uma rotina é planejado, o quanto é culturalmente construído e conveniente. são muitas, muitas horas e pensamentos tomados.

aí começa essa conversa de natureza masculina, feminina ou maternal, de que todos tem sua chance e cada um é responsável por seu sucesso, romantismo, religião, família (qual família?), necessidade (de/para quem?) e tantas outras verdades tão convenientes.

quando paramos pra pensar em mulheres com realidades mais duras, com trabalhos ainda mais precários, muitas vezes não se trata mais só de filho em casa sozinho, o que já é angustiante pra uma mãe, é o peso de uma sociedade exploradora caindo em suas costas de todos os jeitos,  é filho sem professor na escola, quando não perseguido e assassinado por policial. tento imaginar o peso da rotina para essas mulheres, é desesperador. não dá pra achar normal.



2 comentários:

  1. São as "heroínas" de cada dia, as que vão construir o futuro de fato, as mulheres que levam a rotina nas costas, enfrentam esse patriarcado no ato de sobreviver, e terão a coragem e a força de lutar pelo novo.
    Depois de lutar com o dia-a-dia, lutar com o estado e os patrões, ainda assim consegue sonhar. Quem é capaz de vencer uma força assim? Uma força que o peso de um mundo não dobra.

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  2. E cadê os céus serenos?

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