11.4.11

Crime e Castigo

Castigo, culpa, perdão, Raskolnikov nos conquista a ponto de não enxergarmos a brutalidade de seu crime, o absurdo, o grotesco fica tão pequeno diante da realidade e do cotidiano obscuros, persistentemente criéis, sentimos o peso de existir naquele tempo, naquele lugar. A descrição é tão precisa que respiramos ofegantes o ar concentrado, sentimos o cheiro de sarjeta e do suor nas roupas amareladas, encardidas.

Diante dessas pessoas, desses olhares, das mãos machucadas, das ruas molhadas e dos ambientes claustrofóbicos, o julgamento se perde, ficamos sem parâmetros. Rodia fechado em seu quarto, encerrado, enterrado, longe das conversas e do convívio social, mergulha numa lógica só e tão sua, de uma moral tecida dos sentimentos e ideias mais secretos, daqueles que de vez em quando sentimos e escondemos por vergonha ou medo. Em sua clausura essa moral fazia sentido a ponto de ser executada fria e maquinalmente, passo à passo, seus gestos tomados pela personagem daquela existência tão específica, os pensamentos fluindo de maneira estranha e obediente a história que composta em seus dias de solidão, fazia sentido, mas esse sentido estava por se perder.

O castigo chega com a presença cada vez mais constante dos outros, um amigo fiel, a família preocupada e um amor. Fazer parte da vida, dessa vida movimentada e em muitos momentos sufocante, é tão ou mais doloroso do que o efeito de seu crime. Um golpe do destino (Fiodor Dostoievski), as circunstâncias o cercam, se cruzam, o envolvendo nessas relações complexas em que as pessoas esperam muito de Ródia. Esperam por sua integridade física e moral.

A dúvida do julgamento, a entrega que espera o perdão ou a compreensão de uma moral não revelada a ninguém, não existe arrependimento, não existe aceitação do crime.

No começo a raiva das pessoas que o amam, como podem causar tanta dor e mais transtornos do que os que já persistem naquela existência. E o amor não dilui, só resta aceitar o crime e o castigo, aceitar o ar gélido da Sibéria, a aspereza da terra arenosa, o peso dos ferros, dias, anos.

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