23.7.12

Não se pode amar e ser feliz ao mesmo

"O homem brilha pela ausência



Creio que, das cartas que tenho recebido, a de Jandira é uma das mais interessantes. Ela explica, às primeiras palavras, a natureza do seu drama: "Acontece comigo uma coisa interessante. Brigo muito com Adalberto. E só acho, verdadeiramente, graça nele na ausência". Aparentemente, o caso de Jandira é extraordinário. Uma mulher que prefere o bem amado longe! Uma mulher que não deseja vê-lo! E, no entanto, este é um caso bastante comum. Direi mais - a maioria das mulheres acha mais encanto na ausência que na presença de seu namorado, noivo ou esposo.
imagem Juli Ribeiro


Absurdo? Paradoxo? Não, nada disso. Pura e simples evidência de todos os dias. E o fenômeno me parece lógico e natural. Senão, vejamos. Nós sabemos que todos os homens amam. Portanto, milhões e milhões de homens. Dentro dessa quantidade tremenda - quantos homens cultos, inteligentes, interessantes? Uma minoria ínfima, irrisória. No caso da população brasileira, por exemplo. Digamos que tenhamos, no Brasil, vinte milhões de homens. Seria pedir muito querer vinte milhões de galãs de fitas de cinema. Impossível, absolutamente impossível. Se todo mundo fosse interessante, haveria uma valorização súbita e irresistível do homem desinteressante. E, por um motivo muito simples: é que ele se tornaria raro, excepcional, ultra cotado. Mas, por enquanto, o que existe, multiplicado por não sei quanto, é o namorado ou noivo ou esposo desinteressante.

Chegamos, então, a um ponto crucial: que deve fazer a mulher de um cidadão nessas condições? Antes de mais nada, não nos cabe nem mesmo o direito de desejar que o chamado homem desinteressante desapareça. Porque assistiríamos a um espetáculo tenebroso, ou seja: o súbito despovoamento do mundo. Logo, ele deve sobreviver. E as mulheres são obrigadas a apelar para esse tipo de homem, porque o outro quase não existe. Conheço mulheres que nascem, criam-se, envelhecem e morrem, sem, jamais, terem visto um individuo que, do ponto de vista amoroso, seja ótimo. Muito bem. Digamos que eu me apaixone por um cidadão assim. Não posso achar a mínima graça na sua presença, porque ele é desinteressante. Tenho dois caminhos: ou deixar as coisas como estão, ou romper com ele. Mas romper não resolve nada. Porque deixo um cidadão sem encanto, e vou achar outro, nas mesmas condições (salvo a hipótese, improvável, de uma descoberta sensacional). Que faço eu? Se a presença do meu amado não me empolga, nem nada, apelo para a sua ausência. Recurso infalível! Sob a sua presença, eu o vejo como ele é, na realidade. Quero dizer, limitado, sem espírito, sem inteligência e, às vezes, feíssimo. Já na ausência, tudo muda. Vejo-o não como ele é, mas como eu o quero, pois o que funciona é a milha livre e criadora imaginação.

Componho, para mim mesma, para meu regalo especial, a imagem de um homem fabuloso, que nada tem haver com o meu amado; ou por outra, é o meu amado, mas exaltado, transfigurado, super aperfeiçoado. Eis por quê, na maioria dos casos, os homens ganham tanto com a ausência. O caso de Jandira pode se enquadrar perfeitamente nesses termos. Ela gosta de um homem que, de corpo presente, não a consegue impressionar, não consegue lhe transmitir nenhuma sensação de deslumbramento. Já que ela não deseja acabar com o romance, deve ver o menos possível o seu namorado e procurar valorizá-lo, durante a ausência. É a única solução para o caso. "

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo de Nelson Rodrigues

"O mais importante, o fundamental, você tem: ama e é amada . E se quer obter um mínimo de felicidade, parta, sempre, do seguinte princípio: - o verdadeiro amor não pode ser integralmente feliz. Você sabe qual é o verdadeiro erro da maioria absoluta das mulheres? Ei-lo: achar que o fato de amar implica, obrigatoriamente, a felicidade. Quem ama, pensa que vai ser felicíssimo; e estranha qualquer espécie de sofrimento. Ora, a vida ensina, justamente, que duas criaturas que se amam, sofrem , fatalmente. Não por culpa de um ou de outro; mas em consequência do próprio sentimento. É exato que os amores tem seus êxtases deslumbrantes, momentos perfeitos, musicais, etc, etc. Mas eu disse "momentos" e não as 24 horas de cada  dia. Quando uma mulher apaixonada se queixa, eu tenho a vontade de fazer-lhe a seguinte pergunta: "Não lhe basta amar? Você quer, ainda por cima, ser feliz?". Pois o destino , quando concede a graça inefável do amor, subtrai uma série de outras coisas. Antes de mais nada, o sossego. Quem ama, não tem sossego, perde-o, para sempre. A intensidade de qualquer amor é, por si mesma, trágica."

Nelson Rodrigues, ops, Myrna num de seus conselhos amorosos em Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.

Fontes:

http://www.sitedoescritor.com.br/sitedoescritor_escritores_f0043_nrodrigues_texto007.html

http://lendoparavoce.blogspot.com.br/2011/12/nao-se-pode-amar-e-ser-feliz-ao-mesmo.html

4 comentários:

  1. Ausência deixa tudo mais agudo, mais intenso e BEM mais bonito.

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  2. Na ausencia, a gente sente falta nao da pessoa em si, mas da fantasia que criamos em torno dela. Eh c como no filme Copia Fiel, do Kiarostami. O que eh realidade e o que eh ficcao?Eles formam um casal realmente ou isso eh apenas uma ilusao na cabeca da personagem de Juliette Binoche? O amor seria lindo se nossas fantasias tornassem reais. Por isso q qdo o amado chega a gente se frustra pq ele nao eh o principe encantado dos nossos sonhos, eh so um cara normal...

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  3. exatamente! e porque somos educadas o tempo todo a criar esse tipo de expectativa nos frustramos ainda mais... ai ai, realismo já!! ou ausência!! hehe

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  4. "Não lhe basta amar? Você quer, ainda por cima, ser feliz?" É pedir muito!!!

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