12.8.08

consegui fazer minha lição de casa

Uma lembrança puxa outra

Hoje a minha cabeça está uma bagunça, não estou encontrando nada, procurei minhas lembranças e minhas vontades, mas a ansiedade não me deixa pensar, quero lembrar dos meus sorrisos e dos chuviscos na janela alta para um horizonte verde e de terra.
Gosto muito de horizontes, acho que é porque moro em São Paulo e geralmente damos mais valor ao que não temos à mão, gosto de estrelas e do cheiro de terra molhada. Quando era criança e estava na chácara perdida do meu pai, ficávamos fechados dentro de casa quando chovia, lá a chuva parece bater mais forte no telhado, o cheiro da terra úmida já entrava pelas frestas das paredes e portas, o ar embriagado pela chuva, quente e cheiroso.
Aquela chuva era boa, boa demais, a água que escorria pelo telhado, corria pelas calhas e numa geringonça de tubos e improvisos enchia a caixa d’água, passava por um filtro esquisito, único, que fizemos juntos, lição de casa da quinta série, um filtro de pedregulhos e pedrinhas. Nessa caixa tinha uma torneira embaixo, nos dias quentes, baldes até a boca para brincadeiras com água e banho gelado de canequinha.
Aos poucos as lembranças vão tomando formas mais e mais consistentes, cada coisinha puxa outra e vou pegando tudo para mim, mais uma vez. As formigas enfileiradas com suas folhinhas, todas fugindo entre os tijolos ainda secos, em noite de chuva os grilos se aquietam e numa canção de ninar perfeita, a chuva se transforma em garoa suave para embalar nossos sonos. Os sonhos nessas noites são amarelados pelas luzes das velas e quentes pelas colchas fofas. Na beirada da cama um baú de bonecas com seus cabelos emaranhados para pentear.
Os brinquedos, as caras das bonecas, as roupinhas, eram sujas de terra seca, porque já tinham explorado cada canto daquele terreno, em trilhas e fantasias de crianças, eu e minha irmã, esse era o quintal da nossa casa lá de São Paulo, só assim tão longe para poder ser tão verde, tão secreto, cheio de brincadeiras e bichos.